Em “Perdoa-me, por me traíres”, Nelson Rodrigues nos conduz por uma intrincada narrativa que desmascara a hipocrisia e a falsa moral que permeavam a sociedade da época. Em tempo, o tema continua muito atual, infelizmente. Ao centro da trama, está Glorinha, uma jovem cuja vida se transforma em um redemoinho de escândalos familiares quando seu tio Raul lhe revela segredos do passado.
Raul, um personagem complexo, enredado em uma teia de desejo reprimido e delírios, é consumido pela ideia de vingança após a traição de sua cunhada. A ambiguidade moral de suas ações é um reflexo da moralidade distorcida que prevalece no núcleo familiar. Seu desejo por Glorinha, que ele vê como uma reencarnação de sua mãe Judite, revela as profundezas de sua tormenta psicológica.
A hipocrisia social é posta sob um microscópio incisivo através das reações dos personagens e da sociedade à traição e ao assassinato. A falsa moral é desmascarada, mostrando como as convenções sociais podem ser manipuladas para esconder verdades inconvenientes.
Rodrigues também explora a dinâmica de poder dentro das relações familiares, mostrando como a autoridade e a submissão podem ser usadas para mascarar sentimentos de desespero e desejos proibidos. A traição, tanto emocional quanto física, serve como um catalisador para a desintegração da fachada moral que os personagens tentam manter.
A linguagem utilizada por Rodrigues é ao mesmo tempo poética e crua, expondo a realidade nua da humanidade com uma honestidade brutal. “Perdoa-me, por me traíres” não apenas desafia as normas sociais, mas também questiona a noção de moralidade e os limites do amor e do perdão.
A peça é uma jornada sombria, porém reveladora, através dos corredores escuros da alma humana, onde os personagens, e o público, são forçados a enfrentar as verdades desagradáveis que se escondem por trás das máscaras de respeitabilidade. Não a toa a peça enfrentou problemas com a censura, embora tivesse sido encenada no Rio de Janeiro, em São Paulo foi censurada na totalidade, graças não só à pressão dos censores, como da sociedade paulistana, especialmente das senhoras da Ação Católica de São Paulo, autoras de um abaixo-assinado com muitos milhares de assinaturas contra sua montagem, além de despachos trocados entre os censores e o então governador de São Paulo, Jânio Quadros.
#teatro #nelsonrodrigues #livro #sociedade #hipocrisia #adulterio