Assisti dia desses o filme “My Policeman”, disponível na Amazon Prime Vídeo, que é um drama romântico baseado no livro de mesmo nome de Bethan Roberts. A história segue um casal gay na década de 1950 que enfrenta desafios sociais e pessoais enquanto tentam manter seu amor vivo. O filme é dirigido por Michael Grandage e estrelado por Rupert Everett, Colin Firth e Emily Watson. Apesar da crítica dividida, com alguns críticos elogiando sua direção e performances e outros acreditando que ele não consegue capturar totalmente a essência da trama original, eu gostei e recomendo.
O filme, que mescla cenas atuais com flashbacks da década de 1950, vai explorando aos poucos como as memórias, segredos e escolhas do passado afetam as vidas das personagens no presente. A narrativa salta entre as duas épocas para revelar mais sobre a relação do casal e suas vidas separadas, e como a sociedade influenciou suas escolhas e suas vidas.
Casamentos forçados
Nos anos 50, a vida gay (ou de qualquer pessoa da comunidade LGBTQIAPN+) era muito diferente do que conhecemos hoje. Naquela época, a homossexualidade era amplamente condenada e considerada uma doença ou perversão pelos padrões sociais da época. Muitas pessoas homossexuais eram forçadas a esconder sua verdadeira identidade, inclusive para aqueles mais próximos.
As leis eram extremamente hostis, criminalizavam qualquer expressão de afeto ou relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, e muitas pessoas homossexuais, quando descobertas, enfrentavam a prisão ou a lobotomia. Daí, por medo de serem descobertas e perseguidas, enxergavam apenas duas opções: casamento ou o segredo eterno. Estas eram as únicas formas de se sobreviver numa sociedade discriminatória. Por isso a necessidade crescente de luta pela aceitação e igualdade da comunidade LGBTQIAPN+.
Estereótipos negativos
A cultura popular também reforçava esses estereótipos negativos, com poucas representações positivas na mídia ou na literatura. No entanto, mesmo com todas essas adversidades, havia uma pequena comunidade gay que se reunia, sempre no mais absoluto segredo, em bares e clubes noturnos. Esses espaços eram importantes para que as pessoas pudessem se conectar e encontrar apoio, e foram cruciais para o desenvolvimento da cultura LGBTQIAPN+.
Por esse motivo, uma parte homossexuais sentiam-se forçados a casar com uma pessoa do sexo oposto, não por amor, mas por medo de serem perseguidas ou rejeitadas pela sociedade. Essas uniões matrimoniais por obrigação eram resultado da crença de que a homossexualidade era uma doença ou uma perversão, ou ainda que era um comportamento passageiro e que as pessoas homossexuais precisavam ser curadas ou corrigidas. Casar-se com alguém do sexo oposto era visto como uma forma de esconder sua orientação sexual ou de “curar” sua homossexualidade. Sim as pessoas pensavam dessa forma, inclusive eu na década de 80, ou seja, 30 anos depois as pessoas ainda pensavam da mesma forma, algumas até hoje.
Tratamentos hostis
Sim, além do casamento, havia outros tratamentos propostos como forma de “cura” da homossexualidade durante a década de 50 e em outros períodos históricos. Esses tratamentos eram baseados na crença equivocada de que a homossexualidade era uma doença ou uma escolha, e incluíam terapias de conversão, medicamentos, eletrochoques e outras formas de abuso físico e psicológico.
Felizmente, a comunidade científica e médica agora reconhece que a homossexualidade não é uma doença ou uma escolha, e esses tratamentos são amplamente condenados como ineficazes e potencialmente prejudiciais. Atualmente, a Associação Americana de Psiquiatria classifica a homossexualidade como uma variação normal da orientação sexual humana, e muitos países proibiram terapias de conversão para menores de idade.
No entanto, infelizmente, ainda existem algumas pessoas e organizações que promovem esses tratamentos como forma de “cura” da homossexualidade, o que é prejudicial e pode levar a resultados psicológicos negativos. É importante continuarmos a lutar contra esses tratamentos e pelo respeito e aceitação da diversidade humana.
A vida imita a arte e vice-versa
Quero aproveitar e compartilhar minha história – que mesmo tendo acontecido nos anos 80 tem uma certa relação com o filme – para que outras pessoas possam entender que a homossexualidade não é uma escolha ou uma doença. É simplesmente uma parte da nossa identidade e deve ser respeitada e aceita. Eu também quero incentivar as pessoas a serem honestas consigo mesmas e a viverem de acordo com sua verdadeira identidade, independentemente das expectativas sociais, dos julgamentos alheios ou de situações abusivas. Nós merecemos viver uma vida plena e feliz, sem medo ou submissão.
Me casei achando que encontraria a “cura”, casei meio forçado, meio fugindo, meio tentando me libertar, entretanto, e por mais inconcebível que possa parecer, eu gostava genuinamente da moça. Pelo menos era o que eu pensava. Hoje, ao revisitar essa época, percebo que não era um amor de verdade, era muito mais um sentimento de “vínculo traumático” que eu sentia, sim foi um relacionamento abusivo, e que pode levar a pessoa a sentir uma conexão emocional com o abusador, mesmo que racionalmente a gente saiba que o comportamento da outra pessoa nos é prejudicial. Isso pode ser resultado de uma necessidade de segurança e amor que foi condicionada na infância, levando a pessoa a buscar esses sentimentos em relacionamentos que, infelizmente, reproduzem o padrão de abuso que ela já conhece. Entretanto é assunto para um outro post.
Durante 5 anos lutei para reprimir meus desejos e consegui ser fiel, mas a medida em que os abusos aumentavam eu me sentia cada vez mais infeliz, até que, depois de uma discussão que terminou com ela rasgando minha camisa na frente da minha família, resolvi que o melhor era terminar aquele relacionamento. No começo todos pensavam que seria algo passageiro, pois já haviamos discutido em público muitas outras vezes, mas a medida em que o tempo passou – e fui me sentindo cada vez mais livre para ser eu mesmo – foi-se consolidando o iminente divórcio.
No começo ela fez de tudo para que eu voltasse, usou e abousou e chantagem emocional, o que me levou a confessar a ela que um dos motivos da separação era, além do abuso, o fato de me entender como homossexual. Minha intenção, ao revelar-me para ela, era deixar claro de que uma reconciliação seria impossível. Ter contado a ela sobre minha homossexualidade, e que essa condição foi um dos motivos da separação, foi ao mesmo tempo difícil e libertador. Eu finalmente tinha encontrado coragem para ser honesto com ela e comigo mesmo, mas também sabia que isso poderia ter consequências negativas.
Infelizmente, ela decidiu compartilhar essa informação com meus familiares, o que tornou minha situação ainda mais complicada, mas, ao mesmo tempo, senti uma sensação incrível de liberdade. Depois da separação passei um tempo na casa dos meus pais até que fui “convidado” a procurar um lugar para viver, pois meu jeito de ser “não combinava” com os valores evangélicos deles. Fui morar com um amigo, que estava passando por situação semelhante, e, finalmente, senti que tinha deixado para trás as mentiras e as aparências e estava vivendo de acordo com minha verdadeira identidade. Não precisava mais esconder quem eu era (sou) e não precisava ter medo de que as pessoas descobrissem a verdade.
Quero que as pessoas saibam que, apesar das dificuldades, ser honesto consigo mesmo e com as pessoas ao seu redor pode ser libertador e pode ajudar a encontrar a felicidade. Não importa o que as pessoas possam pensar ou dizer, é importante ser fiel a si mesmo e viver de acordo com a própria verdade. Nós merecemos viver uma vida plena e feliz, sem ter que esconder quem somos.
Ah, com relação ao filme, recomendo mesmo para quem não faz parte da comunidade LGBTQIAPN+, pois ele fala de amor.