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dezembro 29, 2023 por Régis Araújo

Dorothy Dalton: Como vive? Onde come? O que faz?

Dorothy Dalton: Como vive? Onde come? O que faz?
dezembro 29, 2023 por Régis Araújo

Análise ativa

Foi através da análise ativa que explorei e entendi a gênese de Dorothy Dalton, que será descrita mais adiante, e as complexidades de ser gay na década de 50, assim como as intenções por trás de suas ações e o contexto histórico-social da peça. Além de ser gay ele é fugitivo da FEBEM (do SAM no original) e por isso, quando em cena, Dorothy Dalton se demonstra as vezes vigilante, desconfiado as vezes assustado, nunca relaxado. Exceto, é claro, quando ele próprio fala seu nome – quando se apresenta para Pardal, nesse momento – e somente nesse – ele sente orgulho de ser quem é.

A análise ativa, conceito gestado por Constantin Stanislavski, incentiva o ator a imergir fisicamente no texto, permitindo uma compreensão mais aprofundada das motivações e subtextos da personagem através da experimentação direta. Esta técnica vai muito além da reflexão meramente intelectual, convocando uma investigação corporal e emocional que ilumina o caminho para suas verdades.

Por outro lado, a étude funciona como um laboratório cênico, onde os atores têm a liberdade de explorar e experimentar com as características específicas do papel. Através deste exercício, eles podem se concentrar em elementos particulares como a voz, o movimento e a interação, refinando as nuances de suas performances.

Dessa forma, no teatro, a análise ativa e a étude colaboram de maneira sinérgica para aprimorar a prática dos atores e a elaboração dos personagens. Essas técnicas, embora distintas em aplicação, convergem no ensaio e no desenvolvimento interpretativo, proporcionando uma abordagem dinâmica e vivencial à atuação.

Quando essas abordagens se entrelaçam, cria-se um terreno fértil tanto para a inovação quanto a descoberta. A análise ativa fornece o contexto e a compreensão profunda, enquanto a étude oferece o espaço para que esses insights sejam testados e aperfeiçoados. Esse processo não só reforça a capacidade interpretativa do ator mas também fomenta a colaboração, vital para que as ideias possam fluir e se desenvolver no coletivo.

Portanto, a interação entre ambas, é fundamental para a metamorfose do ator em personagem (no meu caso, a minha transformação em Dorothy, homossexual fugitivo da FEBEM), equipando-o com ferramentas para uma representação que é ao mesmo tempo pensada e visceral. Nesse encontro, a essência do teatro ganha vida, pois o ator não apenas entende seu papel mas o encarna com autenticidade e uma presença cênica palpável.

A análise ativa foi a base que me permitiu entende-lo de forma mais profunda, e interpretá-lo com nuances que ressoam com o público contemporâneo. A escolha de um figurino inspirado na estética leather e nas obras de Tom of Finland também decorre da análise ativa, pois reflete um entendimento de suas motivações e do ambiente no qual ele está inserido.

Já a étude aparece no processo de desenvolvimento da personalidade e trejeitos de Dorothy Dalton, onde tive espaço para experimentar e refinar a expressão física e vocal do personagem. Sua aplicação está na forma como incorporei a indumentária escolhida para explorar as dinâmicas de poder, erotismo e vulnerabilidade de Dorothy Dalton. A combinação da performance afeminada (com muitos trejeitos) com os trajes que simbolizam uma masculinidade exacerbada representam um contraste intencional que desafia as normas – e penso eu – enriqueceu a interpretação.

Nu (Des) Honestos: Casamento de Dorothy Dalton com Ivonete.

A Gênese de Dorothy Dalton

Confesso que, por insegurança, Dorothy Dalton só me foi “revelado” bem tardiamente, depois de ler a peça por completo e estar com as falas mais orgânicas em minha mente. Minha preocupação inicial estava em não depender tanto da dramaturgia impressa, o que só aconteceu após o ensaio técnico.

Superado esse “obstáculo”, pensei em o que era ser gay na década de 50, o gay “perjorativo”, aquele que ninguém queria ser (e ainda hoje muita gente tem medo de ser), a bicha afeminada, que serve como forma de xingamento e ofensa, afinal de contas, Nelson Rodrigues, quando escreveu essa peça, colocou Dorothy Dalton como forma de ofender os críticos de teatro, era, no mínimo, uma desonrra um homem ser comparado a uma bicha.

Conhecido por sua obra provocativa e muitas vezes controversa, o dramaturgo utilizou personagens e situações para explorar e, em muitos casos, criticar as normas sociais da época. O personagem, como uma figura gay afeminada, parece ter sido uma maneira dele desafiar as percepções e preconceitos de sua época, especialmente no que diz respeito à masculinidade e à sexualidade.

A associação feita por ele entre “viadagem” e a profissão de crítico de teatro nos anos 50 reflete as tensões culturais e sociais da época, especialmente (mas não só) no Brasil. Naquele período, a homossexualidade era frequentemente vista sob uma luz negativa, cercada de estereótipos e preconceitos. Ao utilizar a figura do crítico de teatro como uma representação de “viadagem”, Rodrigues estava, de certa forma, desafiando e criticando tanto as normas de gênero quanto a própria comunidade artística.

Uma das cenas que revela essa visão (e, confesso, a que eu mais gosto) é quando Diabo da Fonseca, conversando com o Carrapeta descobre que estão procurando os críticos teatrais na letra “V”, em vez de “C” de crítico teatral (provavelmente aludindo a “Viado”, um termo pejorativo para homossexuais em português), uma maneira sarcástica de estigmatizar a profissão, associando-a à homossexualidade de forma depreciativa. Essa cena é altamente simbólica e reflete o uso agudo da sátira por Nelson Rodrigues.

O fato do personagem ser homossexual e também fugitivo da FEBEM (ou, no original, do SAM) adiciona uma camada a mais de marginalidade, literalmente, ao personagem. Essas duas informações me deixaram claro que Dorothy Dalton deveria ser bem afeminado e ter muitos trejeitos – em tempo, durante os primeiros ensaios isso não me era claro, como disse anteriormente, somente após o ensaio técnigo é que essa informação começou a ser cristalizada.

Tom of Finland e a comunidade Leather

Tom of Finland, pseudônimo de Touko Valio Laaksonen, foi um artista finlandês conhecido por suas ilustrações homoeróticas altamente estilizadas e icônicas. Ele ganhou destaque por sua representação de homens musculosos e sexualmente liberados em situações diversas. Suas obras são consideradas um importante marco na representação da comunidade LGBTQ+ na arte e têm influenciado a cultura queer em todo o mundo.

O toque final para a definição do personagem foi o figurino (eu fui o responsável por selecionar sua “indumentária”). Como Nu (Des) Honestos tem uma pegada BDSM, me inspirei na comunidade leather e também em Tom of Finland.

A comunidade leather, no universo LGBTQIAPN+, é uma subcultura que se destaca pelo uso de couro como parte fundamental da indumentária e, muitas vezes, está associada com práticas BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo). A comunidade surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, ganhou visibilidade durante os anos 50 e 60 e desenvolveu-se inicialmente entre homens gays, que encontraram no couro e no visual de motociclista uma forma de expressar masculinidade, força e sexualidade de uma maneira que desafiava as normas sociais da época.

Tom of Finland, pseudônimo de Touko Laaksonen, foi um artista finlandês cujas obras tiveram um impacto significativo na imagem estética da comunidade leather. Suas ilustrações, caracterizadas por homens musculosos, vestidos em couro apertado ou uniformes, com uma expressão exagerada de masculinidade e erotismo, tornaram-se ícones dentro da comunidade gay e contribuíram para a construção de uma identidade visual que muitos associam hoje com a cultura leather.

As obras de Tom of Finland são notáveis pelo seu estilo distinto e pela maneira como celebram a sexualidade gay de uma forma aberta e desinibida, algo que era muito revolucionário para a época em que foram criadas. Seu trabalho ofereceu uma visão alternativa e positiva da homossexualidade, contrastando fortemente com as representações negativas ou estereotipadas que predominavam na sociedade.

Figurino de Dorothy Dalton: Inspiração em Tom Of Finland e a comunidade leather gay.

A escolha deste figurino, que remete a masculinidade, virilidade e erotismo para um personagem afeminado como Dorothy Dalton cria um interessante contraste artístico, que teve a intenção de explorar e questionar as normas tradicionais de gênero e sexualidade. Aqui estão alguns pontos que corroboram para essa escolha:

Subversão de Expectativas: Usar um figurino que evoca imagens de hiper-masculinidade e virilidade para um personagem afeminado subverte as expectativas do público, desafiando as ideias convencionais sobre como a masculinidade e a feminilidade são expressas e percebidas.

Comentário Cultural: Servir como um comentário sobre a fluidez de gênero e a performance de identidades sexuais. Ao combinar símbolos de masculinidade com a afetação, Dorothy Dalton aborda a complexidade da identidade gay e a rejeição de estereótipos.

Diversidade dentro da Comunidade Gay: A decisão de vestir Dorothy Dalton dessa maneira também reflete a diversidade existente dentro da própria comunidade gay. Nem todos os homens gays se identificam ou aderem aos mesmos códigos de comportamento ou vestimenta, e a comunidade em si abrange uma ampla gama de expressões de gênero e sexualidade.

Dinâmica de Poder e Erotismo: Ao escolher um visual que tradicionalmente comunica poder e controle, mas aplicá-lo a um personagem com traços afeminados, exploramos a interseção entre poder, erotismo e vulnerabilidade.

Histórico de Representação LGBTQIAPN+: A caracterização é deliberadamente uma homenagem à história da representação LGBTQIAPN+, reconhecendo tanto as figuras tradicionalmente viris quanto as afeminadas que compõem o tecido da comunidade.

Confronto com a Homofobia: A peça original de Nelson Rodrigues já é uma crítica mordaz às normas sociais, e essa escolha de figurino é uma extensão dessa crítica, confrontando diretamente a homofobia e as noções rígidas de como um homem gay “deve” se apresentar ou se comportar.

Confesso também que ele foi “evoluindo”, pois à medida em que as apresentações ocorreram fui me sentindo cada vez mais confiante no papel.

Sobre as ferramentas propostas no livro de Eugênio Kusnet.

Dentre as ferramentas citadas no livro de Eugênio Kusnet, a memória emocional, é uma das que eu mais apliquei na construção da minha versão de Dorothy Dalton. Ela é uma técnica que permite aos atores evocar experiências passadas para reproduzir emoções autênticas em suas performances. Ao se lembrar de eventos que despertaram sentimentos intensos, o ator revisita não só a emoção, mas também as sensações físicas e os detalhes sensoriais que a acompanharam. Essa reexperiência emocional é então canalizada para a atuação, proporcionando uma profundidade e veracidade à interpretação do personagem.

Essa abordagem é reconhecida por sua capacidade de gerar performances profundamente emocionais e matizadas, potencializando a expressividade do ator. Coincidência das coincidências, eu, apesar de me entender como um homem homossexual desde muito cedo, assim como o personagem, fui “forçado” a me casar quando minha namorada “apareceu grávida” (está entre aspas pois não haviamos feito sexo antes do casamento), ou seja, acabei casando por obrigação e, assim como para o personagem, o casamento e a noite de núpcias para mim não foram episódios, digamos, agradáveis. Há muito de mim em Dorothy Dalton, é quase minha história de vida, exceto a fuga da FEBEM.

Contudo, a memória emocional não está isenta de controvérsias. Críticos dessa técnica apontam para o potencial desconforto psicológico que pode surgir ao se reviver momentos traumáticos, além da possibilidade de resultar em atuações desproporcionais que não correspondem ao contexto dramático – o que definitivamente aconteceu comigo na peça extra. Essa preocupação levou a uma reavaliação das práticas de atuação e ao desenvolvimento de métodos alternativos que favorecem a imaginação e a interação presente, em vez de escavar o passado pessoal.

Entretanto, quando empregada com sensibilidade, a memória emocional segue sendo uma técnica influente na arte da atuação. Ela é muitas vezes utilizada com parcimônia, em sinergia com outras técnicas, para alcançar o equilíbrio entre a expressão emocional genuína e a adequação à narrativa. Esta abordagem híbrida assegura que a integridade emocional do ator seja mantida, enquanto se busca a sinceridade e a coerência na representação do personagem.

Ao interpretar Dorothy Dalton, eu percebi que a Ação Física, como ensinada por Eugênio Kusnet, se tornou crucial. Esta abordagem enfatiza a importância de expressar as emoções e intenções do personagem através de gestos e ações específicas. Em um papel tão complexo, essa técnica era essencial para externalizar as emoções de forma tangível.

Incorporei a Ação Física em cada aspecto da performance, garantindo que cada movimento e gesto no palco refletisse diretamente as motivações internas e o estado emocional de Dorothy. Isso significava que as minhas interações com outros personagens ou as minhas reações a certas situações não eram meramente atuações, mas sim expressões físicas autênticas do estado psicológico do personagem. A postura e o movimento de Dorothy variavam conforme o contexto, refletindo diferentes aspectos da sua personalidade e história.

Esta técnica não apenas enriqueceu a minha atuação, mas também forneceu um equilíbrio prático à técnica da memória emocional. Enquanto a memória emocional me permitiu acessar e canalizar emoções profundas, a Ação Física ofereceu um meio de ancorar essas emoções em expressões físicas que eram coerentes com cada cena. Isso ajudou a criar uma performance equilibrada e convincente, garantindo que as emoções internas fossem refletidas através da linguagem corporal e ações do personagem.

Além disso, ela se tornou uma ferramenta para descobrir e desenvolver o personagem de Dorothy de maneira orgânica. Ao experimentar com diferentes ações físicas, explorei novas dimensões do personagem, encontrando maneiras inovadoras e autênticas de expressar suas emoções e pensamentos. Isso não apenas adicionou profundidade à minha interpretação, mas também assegurou uma evolução contínua e dinâmica do personagem ao longo da peça.

Combinando a memória emocional com a Ação Física, minha interpretação de Dorothy Dalton não se limitou às expressões emocionais internas, mas se expandiu para incluir uma representação física e expressiva que capturou a essência completa do personagem. O resultado foi uma performance que não só foi emocionalmente rica, mas também fisicamente eloquente e convincente.

Assista a peça completa no meu canal do YouTube:

Por ter restrição de idade é necessário assistir a ele diretamente no YouTube.

 

#teatro #cultura #nelsonrodrigues #polemica #hipocrisia #lgbtqiapn+ #lgbt #youtube

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Régis Araújo(https://canaldoregis.com.br)
Sou comediante, escritor, fotógrafo, orgulhoso membro da comunidade LGBTQIAP+ e, no restante do tempo, me aventuro no mundo da programação.

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Régis Araújo

Eu sou comediante, escritor, fotógrafo, do signo de libra e faço parte da comunidade LGBTQIAP+

Nas horas restantes eu sou um programador das antigas, literalmente, com mais de 30 anos de experiência.

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