Nos últimos tempos, tenho notado uma dificuldade maior em criar novos laços (sejam eles românticos ou de amizade). Não é que seja impossível, mas parece que sempre existe algo no caminho. Já faz alguns anos que conheci uma pessoa com quem gostaria de estreitar esses laços de amizade. A situação é quase cômica: por coincidência, acabamos nos esbarrando de surpresa em diversos eventos. O mais recente foi em um show de improviso na Casa de Artes de São Paulo. Eu saía distraído do banheiro e, ao abrir a porta, dei de cara com ela, que estava na fila para o espetáculo. Sentamos juntos, mas, como o show estava prestes a começar, não conseguimos conversar. No final, cada um seguiu para lados opostos. Algo sempre acaba surgindo, um compromisso de última hora ou um evento que parece mais urgente, e, no fim, o encontro nunca acontece.
Parecia uma coincidência após outra, mas recentemente parei para refletir mais profundamente sobre isso. Foi então que me deparei com um vídeo de Tim Fletcher, especialista em Complex Trauma e fundador do programa RE/ACT: Being Your Own Dark Cloud: How Complex Trauma Can Cause You to Fall Into a Negative Mindset.
Foi esse vídeo que me deu a coragem para finalmente escrever sobre essa questão. Ele serviu como o impulso necessário para que eu organizasse todas as reflexões que já vinha acumulando há tempos. Com isso, percebi algo essencial: ainda que eu me sinta à vontade em situações sociais, reconheço que a capacidade de interagir socialmente não significa necessariamente facilidade em criar laços profundos, especialmente quando há traumas que afetam a intimidade emocional. Apesar de nunca ter tido problemas com habilidades sociais, compreendi que essas habilidades não garantem a facilidade de desenvolver conexões mais significativas quando há feridas emocionais não resolvidas.
Fletcher explica que pessoas com CPTSD (Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo) tendem a se auto-sabotar quando encontram alguém novo, muitas vezes procurando defeitos ou justificativas para evitar a proximidade. Embora eu já tenha estudado o CPTSD anteriormente, nunca havia feito essa ligação direta entre meus relacionamentos abusivos passados e essa dificuldade em criar novos vínculos.
O vídeo de Fletcher trouxe à tona a ideia de que o CPTSD, que resulta de vivências traumáticas prolongadas, não apenas da infância, mas também de experiências abusivas subsequentes, pode influenciar profundamente a forma como lidamos com novos relacionamentos. Ele descreve como o cérebro de uma pessoa traumatizada se adapta para se proteger, o que acaba levando à tendência de evitar vínculos profundos por medo de se machucar novamente. Essa autossabotagem, ainda que inconsciente, é uma manifestação comum em quem passou por abusos, reforçando o padrão de isolamento emocional.
O Impacto do CPTSD nas Relações e Como Ele Se Forma
Embora eu não seja um terapeuta formado, pesquiso bastante sobre temas como narcisismo, codependência e trauma bonding, incluindo o Complexo de Trauma Repetido (CPTSD). Minhas fontes incluem especialistas como Tim Fletcher, Dr. Ramani Durvasula e Ross Rosenberg, entre outros. Através dessas referências, adquiri um entendimento profundo sobre como essas feridas emocionais afetam o comportamento e os relacionamentos, e como o CPTSD surge em resposta a situações de abuso prolongado, assuntos que considero centrais para explicar essa minha dificuldade de criar novos laços.
O CPTSD se desenvolve de maneira diferente do PTSD (TEPT – Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Enquanto o PTSD tende a ser associado a um evento isolado e súbito, como um acidente ou ataque, o CPTSD resulta de experiências prolongadas de abuso ou negligência, especialmente durante a infância, o que acaba moldando o sistema nervoso e deixando a pessoa em um estado de alerta constante. Esse estado não apenas afeta as emoções, mas também o corpo, tornando a recuperação sem suporte especializado um processo bastante desafiador.
Além disso, à medida que novos relacionamentos abusivos surgem ao longo da vida, o trauma acumulado adiciona camadas que reforçam esses mecanismos de defesa. O cérebro, já condicionado a se proteger, se “reprograma” para responder a qualquer proximidade emocional como uma ameaça. Esse padrão cria barreiras para a formação de novos laços e gera uma desconfiança quase automática.
É importante destacar que o objetivo deste texto é esclarecer como o “experiências dolorosas impactam profundamente a mente e o corpo, sem necessariamente focar em culpabilizar meus pais ou os abusadores com quem me relacionei. Embora muitas pessoas abusivas possam ter passado por seus próprios traumas, isso não diminui sua responsabilidade pelas dores que causam. Compreender essa dinâmica ajuda a explicar a repetição desses padrões, mas jamais justifica os atos de abuso.
Autossabotagem e o Medo da Vulnerabilidade
Entender o impacto do trauma é apenas o começo. O próximo passo é reconhecer como ele se manifesta na vida cotidiana, especialmente nas tentativas de formar novos laços. Para mim, essa dificuldade em aceitar convites, marcar compromissos ou, muitas vezes, sobrepor eventos, é algo que, por muito tempo, não entendi completamente. Foi apenas depois de muitas crises de ansiedade diante da possibilidade de aprofundar relações que comecei a me perguntar o motivo de tanta evasão — e, eventualmente, percebi que, às vezes, isso acontecia de forma inconsciente.
O cérebro, moldado por essas feridas emocionais, se torna um mestre em evitar qualquer situação que possa parecer uma ameaça emocional. O medo de criar vínculos se relaciona diretamente com o receio de reviver experiências antigas. O subconsciente, treinado a proteger, interpreta essas novas conexões como arriscadas. Em vez de enfrentar a vulnerabilidade que a intimidade exige, o instinto é me afastar.
Esse comportamento de evitar é, no fundo, uma forma de autossabotagem. O trauma me ensina a evitar o que, de fato, mais desejo: a conexão humana. O cérebro, que tantas vezes me salvou em momentos de abuso, agora luta contra qualquer proximidade por temer a repetição da dor. E assim, quando finalmente tenho a oportunidade de criar laços, surge um motivo para adiar, evitar ou fugir. Foi só depois de muito questionamento pessoal que entendi que esse padrão não era casual, mas profundamente enraizado em situações já vividas.
Medo Emocional e Barreiras para Novos Laços
Entender o impacto do trauma é apenas o começo. O próximo passo é reconhecer como ele se manifesta na vida cotidiana, especialmente nas tentativas de formar novos laços. Para mim, essa dificuldade em aceitar convites, marcar compromissos ou, muitas vezes, sobrepor eventos, é algo que, por muito tempo, não entendi completamente.
Foi apenas depois de muitas crises de ansiedade diante da possibilidade de aprofundar relações — e de me culpar por desmarcar compromissos — que comecei a me perguntar o porquê dessa evasão constante. Uma vez, em um dos muitos cursos de autoconhecimento que participei, ouvi falar sobre “nosso compromisso com o próximo” e o valor da minha palavra. Isso me deixava ansioso, pois percebia que, como um “bom” codependente (mas esse é assunto para outro texto), eu me preocupava em excesso com a opinião dos outros.
Com o tempo, percebi que o trauma condicionou minha mente a evitar tudo o que possa parecer um risco emocional. O medo de estabelecer vínculos profundos está diretamente relacionado ao temor de reabrir feridas antigas. Meu subconsciente, atuando na tentativa de me proteger, vê as novas conexões como perigosas. Ao invés de encarar a vulnerabilidade que surge nas relações, meu primeiro impulso é me distanciar.
Esse comportamento de evitar é, na realidade, uma forma de autossabotagem emocional. O trauma me ensina a evitar aquilo que, no fundo, mais desejo: a conexão humana. O cérebro, que tantas vezes me salvou em momentos de abuso, agora luta contra qualquer proximidade, temendo a repetição da dor. E assim, quando finalmente tenho a chance de criar laços, surge algum motivo para adiar, evitar ou fugir. Só depois de muito questionamento pessoal e autorreflexão consegui enxergar que esse padrão não era casual, mas profundamente enraizado nas minhas experiências passadas.
Superando o Ciclo de Autossabotagem
A autossabotagem surge como uma tentativa de proteger-se da rejeição e do sofrimento emocional, especialmente em pessoas que, como eu, carregam traços de codependência. O medo da opinião alheia e a preocupação excessiva com a aceitação alimentam esse comportamento.
Se você também se identificou com essa dificuldade, é fundamental entender que tais comportamentos não são uma fraqueza, mas uma resposta natural do cérebro ao trauma. O CPTSD molda a forma como reagimos às relações, muitas vezes fazendo com que evitemos a proximidade por medo de reviver antigas dores. No entanto, é importante ressaltar que existe esperança. Assim como o trauma altera a mente, é possível reprogramá-la com as ferramentas certas.
Buscar ajuda profissional é o primeiro passo para quebrar esse ciclo. Terapeutas especializados em CPTSD, como sugerido por Tim Fletcher, podem ajudar a entender os mecanismos de defesa que desenvolvemos ao longo dos anos. Especialistas como Dr. Ramani Durvasula e Ross Rosenberg também oferecem abordagens valiosas para lidar com questões de codependência e trauma bonding. Além disso, grupos de apoio e comunidades de pessoas que passam por experiências similares podem fornecer o suporte emocional necessário para a cura.
É importante lembrar que o caminho não é imediato e, muitas vezes, não é fácil. Enfrentar traumas e quebrar padrões de autossabotagem exige tempo, paciência e esforço contínuo. No entanto, com dedicação e o suporte certo, é possível superar esses obstáculos e, finalmente, cultivar conexões significativas e saudáveis. Reconhecer o problema é o primeiro passo para transformá-lo. A jornada de cura não acontece sozinha, e procurar ajuda especializada é uma escolha de coragem e cuidado com si mesmo.
A busca por ajuda é um ato de coragem e autocuidado. Com o tempo, é possível não apenas curar as feridas do passado, mas também se abrir para relações autênticas e saudáveis que verdadeiramente nos conectam à vida.
Ao abraçar esse processo de cura, podemos, pouco a pouco, transformar o medo em força e a dor em aprendizado. A cura pode ser lenta, mas o resultado é a oportunidade de viver relações autênticas, livres do peso do passado. É a oportunidade para construir novas histórias, onde o medo não mais dita as regras, e sim a nossa própria capacidade de amar e se conectar.
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