Imagine por um momento, que você possui um aparelho tecnológico muito especial, o tal do gaydar. Para aqueles que ainda não sabem do que se trata, essa é uma expressão usada para descrever a suposta habilidade que nós, habitantes do Vale dos Homossexuais, temos de identificar se outra pessoa é gay. Bem, acontece que meu gaydar é uma edição limitada e bem antiga: é modelo GLS 1971. Uma relíquia, diria eu.
A situação é que o meu parou de receber a atualizações quando a sigla da comunidade mudou de GLS para LGBT. Assim, o meu pobre e antiquado gaydar GLS 1971 ficou irremediavelmente desatualizado. Mas afinal, me diga, como é que a gente atualiza uma máquina cuja existência é completamente imaginária, e mais ainda, cujo princípio de funcionamento é baseado em estereótipos e suposições?
Desde então, esse meu dispositivo preshistérico tem estado um pouco…bem, falhando, para dizer o mínimo. Ele não dá mais as direções precisas como um Waze ou Google Maps. Na verdade, ele me lembra mais um GPS desatualizado que ainda mostra uma rotatória onde hoje é um supermercado e o sinal de GPS parece ter sido perdido permanentemente. Então, eu o aposentei, dando-lhe um lugar de honra na prateleira ao lado de minhas outras preciosidades GLS ultrapassadas.
Dia desses duas garotas que havia acabado de conhecer me perguntaram na lata: “E ai, será que ele é?”. Acreditem, ainda tem gente que me pede para usar o meu detector de bibas, dái eu coço minha careca e me pergunto por que raios esse pensamento ainda persiste em pleno 2023. Eu geralmente desconverso, pois não quero me sintir como um delator, afinal de contas não faço parte da unidade de Polícia do Comportamento Sexual Alheio!
Parece que esqueceram de me avisar que fui promovido a Sherlock Holmes da sexualidade alheia. Mas vamos lá, estamos em 2023, com carros autônomos, missões para Marte, inteligência artificial escrevendo blogs (piada interna aqui), mas ainda tem gente aí que acha que precisa saber quem gosta de transar com quem.
Eu me pergunto: desde quando os trejeitos de alguém dizem tudo sobre essa pessoa? Ei, as vezes eu não consigo nem lembrar onde deixei meu fone de ouvido, como vou decifrar alguém pela forma como se veste? É muita responsabilidade. E, sinceramente, não seria mais interessante saber do que a pessoa gosta, o que ela sonha, suas músicas preferidas, seu prato de comida favorito, ao invés de rotulá-la por quem ela escolhe se enroscar?
E eu mesmo respondo: se você está se perguntando sobre a sexualidade de alguém porque quer ser amigo, ou talvez algo a mais, aqui vai um conselho grátis – converse com a pessoa. Não sei se você sabe, mas conversar ainda é a melhor maneira de conhecer alguém. E se você só quer saciar a curiosidade ou fazer troça, bem, aqui vai outra dica grátis – não faça isso.
Ah, e antes que eu me esqueça, se alguém aí ainda acredita no meu gaydar da era das cavernas e quer que eu o use, vou avisando: não é barato. Vou precisar encontrar alguma loja de antiguidades que faça uma atualização nesse troço e, acredite, o preço da peça é salgado. Então, pense duas vezes antes de fazer sua próxima ligação. Talvez seja mais fácil, e certamente mais barato, simplesmente perguntar para o alvo de sua obtusa curiosidade.